A dona do rio
Crônica assinada por Marcos Canaã.
Por: Marcos A. F. Martins (Marcos Canaã)
Hoje, as lembranças dos tempos dourados de infância me assaltaram como um ladrão. E eu, que nem creio que é possível alguém estar alegre e triste ao mesmo tempo, me sinto exatamente assim: tristemente alegre ou alegremente triste. Sem agonia, mas, também, sem a euforia própria dos que recebem uma boa nova ou uma dádiva inesperada. Apenas um leve crepúsculo, um pequeno ponto de interseção entre o gozo e o desgosto. E não sem razão.
Ontem à noite, já me preparando para dormir, recebi a notícia da morte de Tide, a dona do rio. Passado o breve espanto inicial, fui-me deitar. Dormi, sonhei, como quase sempre, com a pequena cidade em que moramos eu e minha família por muitos anos. Acordei com esse sentimento dual, de boas recordações e banzo, como se fosse véspera e fim de feriado. No meu coração, defrontando-se, um estudante entrando de férias e um trabalhador atribulado pelo serviço e pelas contas a pagar.
Já adentramos a tarde no momento em que escrevo estas sofríveis linhas. Estou no trabalho, abarrotado de serviço neste dia quente e sob climatização do ar condicionado. Deixei a janela da minha sala entreaberta. Lá fora, o sol brilha e ressalta o volume das nuvens que caminham em solene procissão. Ele arde, e elas parecem apáticas e distraídas na sua marcha lenta, quase estática. O sol sorri e é austero; as nuvens brincam e são sombrias. Não, não é isso que acontece; acho que sou eu quem estou meio dissonante.
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